20.8.09

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Um mal-estar líquido: sobre a obra de Zygmunt Bauman

Leonardo Moura

Angústia e melancolia são sintomas do mal-estar da civilização moderna. Na pós-modernidade, condição do capitalismo contemporâneo, as mazelas da alma do ser humano não são diferentes. Pior: são ainda mais latentes, pois hoje a felicidade é um direito. E aparentemente está ao alcance de todos. Não conquistá-la é assumir-se um perdedor diante de um mundo que dá oportunidades para todos que querem ser donos de suas vidas.

Sentimento líquido

É à luz desta condição que o filósofo e cientista político polonês Zygmunt Bauman escreve seus livros sobre comunidade, política, cultura, identidade e sentimentos líquidos. Bauman crê num mundo que destrói as principais instituições capazes de acolher o indivíduo em situações de sucesso ou fracasso.

Para o autor, as duas principais instituições que hoje perdem força são a nação e a família. Em ritmo de ruptura, a pós-modernidade nos torna seres humanos de identidades líquidas, participando de culturas e comunidades líquidas e assumindo sentimentos líquidos.

Múltiplas identidades

Essa capacidade de multiplicar-se conforme a situação que conseguimos desenvolver é facilmente assimilada pelas ferramentas de redes sociais. Profetizadas pelos pensadores contemporâneos a Bauman de forma menos negativa (Stuart Hall e Erving Goffman), as redes sociais são instrumentos online nas quais o ser humano é capaz de mostrar todos os traços de sua personalidade. Numa rede social, é possível assumir que as múltiplas identidades estão previstas numa comunidade que comporta todas simultaneamente. A essa característica do mundo online e às suas relações pessoais Bauman faz crítica em "Vida para Consumo", salientando que os laços humanos, também líquidos, são conectados e desfeitos conforme conveniência.

A Vida Explica

De origem judaica, Bauman trabalhou no serviço secreto militar polonês. Em seu passado, há traços não divulgados ou aprofundados sobre sua relação com o sistema denuncista do comunismo polonês na gestão soviética. Bauman era leal ao Estado e aparentemente feroz com quem ia contra ele. Apesar disso, no final da década de 1960, exilou-se na Inglaterra, deixando a Universidade de Varsóvia e o serviço militar polonês por não concordar mais com campanhas antissemitas do governo em seu país natal.

Velhice Amena

Em Leeds, na Inglaterra, o professor e pensador começa a publicar seus livros sobre a liquidez dos valores, das instituições e dos sentimentos humanos, numa série que só no Brasil já foram publicados mais de quinze. Todos de tom niilista. O ápice do pensamento partidário de Bauman está no livro "Europa". Lançado em 2006 no Brasil, traz o cientista numa visão que dá gosto de ver, coerente com o que aparentemente parece certo para nosso futuro ocidental. Bauman acredita que só a Europa trará a mudança necessária para as instituições de hoje, corrigindo o caminho tortuoso e desagregador da identidade humana para o qual, na visão do pensador, caminha o mundo.

Mas talvez o livro mais complexo sobre o pensamento do cientista seja Em Busca da Política. Lançado em 2000 no Brasil, traz a análise do comportamento do ser humano ao procurar fazer política. Fica claro que o autor parte sempre do coletivo, ignorando as particularidades da identidade humana na qual seu maior influenciador, Freud, imergiu. Bauman vê a humanidade em desespero em busca de segurança, condição da base da hierarquia das necessidades humanas. E a segurança hoje é um item que só pode ser garantido individualmente, já que o pensador vê o claro desmantelamento do Estado, que sempre foi, na história europeia, o grande responsável pela segurança e o bem-estar.

Relação ao Brasil

Numa análise brasileira e individualista, é fácil enxergar que nem tudo que Bauman descreve está perdido. Temos em nosso país uma situação de instituições pouco eficientes. Porém, as classes ABC em nosso país conseguem se equiparar em ações afirmativas. Estas ações e discussões passam a iniciar ou se desenvolvem com propriedade em ambientes online. É uma estrutura diferente de iniciar um processo político. Mas é capaz de, numa sociedade conectada e impregnada pelo imaginário eletrônico -- como é a brasileira --, gerar movimentos e atitudes que reivindiquem mudanças na família e no Estado. Falamos aqui dos debates sobre emprego, raça, sexualidade, violência, segurança e drogas, tão avançados em nosso país, porém ainda não concluídos em forma de lei.

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Fonte: http://www.colheradacultural.com.br/content/20090728164339.000.9-N.php

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